Cidades estéreis

foto: leandro moraes

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A paisagem natural e a história arquitetônica da cidade é substituída por prédios e condomínios com aparência genérica e estéril, eliminando diferenças entre morar em Dubai, Paris, Cidade do México, Cingapura ou São Paulo. As facilidades embutidas nestes novos empreendimentos imobiliários drenam a criatividade, o convívio social e a autonomia de pequenos serviços domésticos, que acabam sendo terceirizados para deixar a vida dos moradores mais prática e mastigada. O uso ostensivo do concreto, os mares de prédios e a morte do horizonte. O discurso das incorporadoras que abusam do multiculturalismo e da tolerância como marketing na hora de vender um apartamento que promove a exclusão da paisagem humana.

 

Essa descrição deprimente faz parte da leitura que o artista franco-canadense Jean-François Prost faz de algumas grandes capitais do mundo, São Paulo inclusa. “Este cenário pode ser observado em qualquer cidade que passou ou esteja sofrendo um intenso processo de gentrificação, como já aconteceu com Manhattan, que era muito pobre nos anos 1970, e Londres, nos anos 1990. Hoje, são totalmente globais e elitistas”, denuncia Prost, que esteve em residência em São Paulo pela segunda vez este ano, a convite de Lanchonete.org.

Durante o período, o artista, que desenvolve um trabalho com foco nas minorias, conheceu diversos coletivos artísticos e locais da cidade que o ajudaram a aprofundar a ação performativa “Acronymia”, uma reflexão sobre o que há de marginal no espaço urbano, especialmente em locais em transformação. “Acronymia” é baseada no diálogo com habitantes da cidade a partir da impressão de abreviações de frases políticas em camisetas, a fim de incitar o diálogo entre as pessoas.

foto: Jean-François Prost
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Em sua pesquisa pela cidade, Prost observou algumas dinâmicas de disputa espacial bastante problemáticas. “Será que as pessoas que estão comprando apartamentos novos na Praça da República são mesmo tão tolerantes quanto um estudo que ouvi falar? Barulho às 4 horas da manhã, travestis. Não acredito nisso. Talvez a própria construtora tenha pago este estudo”, reflete Prost, “Quando as construtoras vendem condomínios como algo unificado estão mentindo, pois na prática negam tudo o que está lá. Eu vi uma senhora que comprou um apartamento no Centro e só anda de carro”.

O artista interagiu com o público diversas vezes, dentro da programação dos programas Cidade Queer e Zona da Mata, ambos ligados ao Lanchonete.org. O primeiro encontro se deu com o público do festival Cocidade, que deixou registrado num mapa de São Paulo os locais que considera queer (“estranho”, opressor), como rios com água poluída, por exemplo. O segundo foi um workshop no espaço Aurora, focado na criação de abreviações marcantes, as chamadas por ele “acronímias”, muito utilizadas por corporações e outros negócios de natureza especulativa. Saíram de lá novas siglas, como PSC (Plante Sua Comida) e MND (Mendigos Não Dormem). “Na ocasião tentamos descobrir como desviar da linguagem do status quo e das grandes corporações para criar algo menos convencional, com o suporte do Laboratório Gráfico Desviante, das meninas do Aurora”, explica Prost, “Uma das coisas que mais veio à tona foi a exclusão e a dificuldade de coexistir na cidade”. A terceira ação, no quintal do Goethe, aconteceu com o público participante da oficina Comedoria, da escola Como Como de Ecogastronomia, que escolheu sua “acronímia” favorita feita em discussões anteriores e impressas em camisetas naquela tarde. Criou-se também, no próprio dia, novas “acronímias” para interagir com o público em sua próxima intervenção, dias depois no Minhocão.

Carol Ramos

 
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foto: Jean-François Prost