Organismo vivo

Quando alguém entra em contato com os fundamentos da Permacultura, é comum que se interesse por novas práticas para a vida cotidiana. Do cultivo do próprio alimento, evitando embalagens, idas ao mercado e consumo de agrotóxicos, passando pela compostagem de resíduos e produção de adubo ou mesmo a criação de sistemas para gerar eletricidade e não pagar mais a conta de luz. Ou descartar os serviços da ineficiente rede de esgoto e tratar a água que produz em casa com sistemas de canos e plantas filtradoras, alimentando lagos com peixes e plantações de bananeiras.

13173293_1031192300285069_6115912946093302305_o

foto: Marina Rago

A lista de possibilidades é imensa e revela uma perspectiva abundante e libertadora sobre como habitar o planeta. “É uma mudança cultural necessária, já que um dos maiores problemas do mundo contemporâneo é a coisificação das relações e da terra. É preciso criar uma nova ótica, uma nova ética e uma nova estética. Isso é fazer política”, declara o arquiteto e permacultor Tomaz Lotufo, que realizou a intervenção “Arquitetura para um sistema sustentável” como parte da programação do Zona da Mata no Goethe-Institut São Paulo. A atividade aconteceu em dois dias, um teórico e outro prático, e gerou debates interessantes entre o público, que compreendeu como esta filosofia, que ao pé da letra quer dizer cultura da permanência, pode solucionar a crise socioambiental que assola o planeta.

13173585_1031189820285317_4174012860956868811_o

foto: Marina Rago

Para Lotufo casas, escolas, empresas, equipamentos públicos ou qualquer outra intervenção arquitetônica tem um papel ecossistêmico primordial que nasce antes mesmo de ficarem prontas. Para que isso aconteça, ele destaca a importância de construções criadas por meio de processos coerentes com seu contexto climático, social e geográfico em detrimento à escolha de um corpo-coisa que não dialoga com seu entorno, contrapondo conceitos da construção civil tradicional com a noção de pensamento sistêmico. “Toda construção é um organismo vivo que se relaciona por meio de órgãos consigo mesmo, com a vizinhança e com o planeta”, defende. Os rins, por exemplo, são a filtragem de água através de telhados vivos, pisos permeáveis, cisternas e jardins de chuva. O cérebro é um órgão que não opera por meio de regras, mas sim de princípios, e é responsável pela tomada de decisões, como o destino do lixo. Elemento que, segundo ele, é peça chave para o crescimento da cultura capitalista.

13173304_1031190056951960_3468095047770127455_o13217492_1031189506952015_9072956606063430890_o

foto: Marina Rago

Na atividade do dia seguinte, que aconteceu no quintal do Goethe, Lotufo levou cal, areia, argila e pigmentos naturais como o açafrão para mostrar algumas variedades de materiais de construção simples e de baixo impacto ambiental. “Quando a técnica e o material são acessíveis e hackeáveis, a comunidade pode acumular poder através do conhecimento, pois vai se apropriar e melhorar aquilo, criar sua própria estética, que é a linguagem do fazer junto, do mutirão”, ensinou.  Dali seguimos para um reconhecimento das características do terreno e foi necessário desviar de alguns abacates que caiam com força no chão. Depois, a turma foi dividida em grupos e cada um começou a criar seu projeto para uma área de convivência no quintal. Nesse exercício de ecologia da imaginação, o processo importou mais do que o resultado, até porque uma manhã é muito pouco tempo para uma tarefa imersiva e lenta como essa. A percepção de cada um, com suas experiências e conhecimento adquirido, enriqueceu o resultado. “Todos tem energia para aflorar e é em comunidade que ela nasce”, desvendou Lotufo, enquanto o pessoal se preparava para mostrar seus projetos.

13173390_1031190816951884_8766589641978692157_o

foto: Marina Rago

Durante as apresentações dos projetos, que em sua maioria tinham cisternas e curvas de nível para armazenar e direcionar as águas da chuva e evitar o desgaste do solo, hortas, composteiras e um local mais central para palestras e conversas, ouviu-se uma gritaria da rua. Era alguém atravessando o viaduto da avenida Sumaré, que dá vista para o quintal, pedindo abacates. “Achei isso muito curioso, pois revelou o desenho do território e que o terreno dialoga de formas diferentes com quem está dentro e fora do quintal”, contou Tomaz. Pensei nos abacates e lembrei de uma de suas máximas ditas na noite anterior: “Energia e abundâcia em excesso podem ser problema e virar poluição”. Parece que chegou a hora de distribuir os abacates.